Como o Levantamento de Peso Olímpico se tornou ferramenta essencial na preparação física de elite, da biomecânica à periodização aplicada a diferentes modalidades esportivas
Por Grazzi Favarato, colunista Fitness Brasil
12/11/2025
O Levantamento de Peso Olímpico (LPO), que abrange os movimentos clássicos de Arranco (Snatch) e Arremesso (Clean & Jerk), é amplamente utilizado em diferentes modalidades esportivas para aprimorar o rendimento dos atletas. Para o profissional de Educação Física e treinador, o entendimento detalhado da metodologia do LPO é crucial, pois seus exercícios apresentam movimentos dinâmicos e explosivos que simulam ações esportivas.
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Estes movimentos são realizados com elevada intensidade e máxima velocidade, gerando uma considerável produção de força e potência mecânica, que por sua vez, promove aumento duradouro nessas capacidades. Diante do crescente uso do LPO como meio complementar, o presente texto visa discorrer sobre os fundamentos biomecânicos e fisiológicos desta modalidade e apresentar modelos de periodização aplicados a esportes específicos, garantindo que a prática seja vantajosa e segura para atletas de diversas modalidades.

Fundamentos Biomecânicos do LPO: Arranco e Arremesso
O Arranco e o Arremesso são os dois estilos de levantamentos clássicos do LPO, demandando uma combinação de força, velocidade, estabilidade e concentração psicológica. Os padrões biomecânicos motores do Arranco e do Arremesso sofrem variações em função da adaptação de cada indivíduo, e as sinergias musculares refletem soluções motoras adquiridas que podem ser ajustadas em diferentes contextos biomecânicos, facilitando uma adaptação motora rápida em função das individualidades do sujeito.
1. Arranco (Snatch)
O Arranco consiste em levantar a barra do chão até acima da cabeça em um único movimento e geralmente utiliza a posição de agachamento completo (squat).
• Posição Inicial e Saída:
A saída do movimento é a fase em que a barra é retirada do apoio do chão. Os pés, com afastamento geralmente na distância dos ombros, e a barra alinhada ao metatarso, são a base. O atleta utiliza a pegada gancho (hookgrip) para maior atrito. Os braços devem estar estendidos, quadril posicionado na linha dos joelhos por meio da flexão dos joelhos, e os ombros ligeiramente sobre a barra. O tronco atua como uma alavanca rígida pela contração da parede abdominal e da musculatura dorsal, resultando na aproximação da barra à tíbia. O movimento é iniciado pela contração dos músculos quadríceps e glúteos, aplicando força contra o solo. Conforme a barra atravessa os joelhos, a tíbia se posiciona em ângulo vertical, e o quadril e os ombros se movem verticalmente na mesma cadência.
• Puxada e Tripla Extensão:
A puxada é ativada quando o atleta inicia a verticalização da barra, engajando os músculos isquiotibiais, glúteos e eretores da espinha, mantendo o tronco rígido. Os ombros se movimentam para trás da linha da barra, o quadril se desloca para frente, e o peso combinado do atleta e implemento causa um deslocamento frontal. É crucial manter a contração do latíssimo do dorso para evitar a movimentação horizontal, enfatizando o movimento vertical. A Tripla Extensão marca o ponto de aceleração máxima: os quadríceps estendem as pernas, o quadril se move para cima e para frente, e os ombros sobem em direção às orelhas mediante a contração rápida e intensa dos trapézios. Toda a força para mover a barra verticalmente é consumida, culminando no fim da puxada e no início da fase descendente.
• Descida/Deslize e Encaixe:
O atleta se projeta abaixo da barra (Descida ou Deslize) em reação à puxada aplicada, flexionando joelhos e tornozelos para atingir a posição de agachamento. Os cotovelos são posicionados diretamente abaixo do implemento e os punhos ficam em extensão. Há uma forte influência da cabeça longa do tríceps para sustentar o implemento acima da cabeça.
• Recuperação e Finalização:
Da posição estável de agachamento, os quadríceps e glúteos são contraídos até a ereção completa do corpo, extensão completa dos braços e paralelismo dos pés.
2. Arremesso (Clean & Jerk)
O Arremesso é executado em duas etapas.
• Primeiro Tempo (Clean – Elevação ao Peito):
A fase inicial da primeira etapa é similar à saída do Arranco, diferenciando-se pela distância menor entre as mãos. Após a tripla extensão e a puxada, ocorre o Encaixe, onde os cotovelos se posicionam abruptamente à frente da linha da barra, apoiando-a sobre os ombros (rack position). O atleta tem grande ênfase no grupamento muscular intratorácico para manter o tronco ereto, minimizando o desequilíbrio.
• Segundo Tempo (Jerk – Empurrada Acima da Cabeça):
O segundo estágio, também denominado Jerk, possui três fases: half squat (fase excêntrica), impulso concêntrico e recuperação. No half squat, ocorre uma flexão incompleta dos joelhos e tornozelos, com o tronco ereto. A tripla extensão seguinte desloca a barra, e o atleta se projeta abaixo dela (afastamento da base lateral ou “tesoura”) para atingir a completa extensão dos cotovelos e estabilizar a barra acima da cabeça. A completa extensão dos cotovelos e a estabilização da barra acima da cabeça são determinantes para a finalização segura do movimento. A recuperação é a fase em que o atleta atinge a ereção completa do corpo e o paralelismo dos pés, fixando o peso imóvel até o sinal do juiz.

Adaptações Fisiológicas e Neurais: A Potência Explosiva
O treinamento de LPO é um meio de treinamento eficaz para o incremento da força e potência, essencial em diversas modalidades esportivas, resultando em adaptações que influenciam diretamente a capacidade de produzir força em uma fração de segundo.
1. Ativação de Fibras Musculares Rápidas (Tipo II)
A prática do LPO, caracterizada pela elevada intensidade e máxima velocidade de execução, promove adaptações eficazes ao sistema muscular-esquelético.
• A alta intensidade do treinamento induz a ativação das fibras musculares do tipo II (fibras rápidas).
• Atletas que praticam esportes de força e de potência tendem a ter uma maior proporção dessas fibras do tipo II em comparação com atletas de esportes de resistência.
• As diferenças no rendimento podem estar relacionadas à atividade enzimática da ATPase, envolvida com as fibras musculares IIA e IIX. Esta atividade impacta diretamente a capacidade de encurtamento rápido das fibras musculares e a geração de força.
2. Incremento da Taxa de Desenvolvimento de Força (TDF)
A TDF é fundamental para o desempenho neuromuscular em modalidades que utilizam contrações explosivas.
• Movimentos extremamente rápidos, que duram até 200 milissegundos, não permitem que o músculo atinja o seu pico de força máxima (que é atingido tipicamente entre 200 e 300 ms).
• A velocidade de contração muscular associada à sobrecarga no LPO favorece o incremento da TDF, aumentando a inclinação da parte inicial da curva força/tempo.
• O aumento da TDF permite que o atleta produza um nível maior de força no início da contração, conferindo maior rapidez ao golpear ou realizar movimentos esportivos.
3. Adaptações Neurais e Recrutamento de Unidades Motoras
O LPO é um método de desenvolvimento de força explosiva pela sua potencialidade em recrutar unidades motoras.
• O aumento da TDF está integrado ao acréscimo do recrutamento de unidades motoras.
• Atletas treinados adquirem a capacidade de ativar simultaneamente mais unidades motoras, apresentando uma quantidade de fibras musculares contráteis ativadas sincronizadamente, o que resulta em maior TDF.
• A TDF é influenciada por fatores neurais, como a magnitude de produção eferente do motoneurônio (drive neural), e o recrutamento e frequência de disparos dos motoneurônios. O drive neural e as propriedades contráteis intrínsecas da fibra muscular influenciam mais a TDF mensurada no começo da contração (fase inicial).
• O treinamento de LPO induz adaptações crônicas, que são modificações persistentes, incluindo alterações plásticas e aumento da atividade hormonal, resultando em uma capacidade duradoura de gerar maior força e potência.
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Aplicações Práticas: O LPO em Diferentes Esportes
1. Atletismo
O atletismo é uma modalidade que demanda elevados níveis de força e potência.
• O treinamento de LPO se demonstrou eficiente para o desenvolvimento de força específica nos movimentos de arranco e arremesso, reverberando na melhoria dos resultados competitivos.
• Um estudo de 30 semanas com atletas de atletismo demonstrou ganhos significativos de força nos testes de 1-RM predita para os movimentos de LPO (Clean and Jerk e Snatch), além de expressivas melhorias nos resultados de competição para alguns participantes (com variações de 37,23%, 38,46% e 72,60% em provas de lançamento de martelo e disco).
• O LPO também é reconhecido por aprimorar os parâmetros de força em várias modalidades do atletismo, como em saltos verticais e velocidade de corrida.
2. Esportes de Combate
Nos esportes de combate, a potência muscular é um atributo crucial para executar movimentos explosivos, sendo que o LPO é um meio eficaz para seu aprimoramento.
Kick Boxing:
• O LPO é um ótimo exercício, proporcionando ganhos rápidos nos níveis de potência e incremento da TDF, que confere maior rapidez ao golpear.
• A biomecânica do LPO solicita músculos estabilizadores e mobilizadores, tornando-o um exercício completo que favorece o domínio técnico dinâmico e fomenta o equilíbrio muscular.
Judô:
• A força se destaca como o principal componente para o sucesso na execução técnica.
• Os exercícios do LPO e Agachamento são utilizados para aumentar a potência muscular e podem potencializar as técnicas de projeção (o kuzushi – desequilíbrio; o tsukuri – preparação; e o kake – execução).
• O Judô esportivo é caracterizado como sendo um esporte de força explosiva que requer alta reserva de capacidade e força anaeróbias, operando dentro de um sistema aeróbio bem desenvolvido.
3. Handebol
O Levantamento Olímpico (Olympic Weightlifting, OWL) tem sido adotado como alternativa ao exercício pliométrico no Handebol.
• Um estudo comparativo demonstrou que o OWL resultou em aumento significativo da aceleração nas distâncias de 10m, 20m e 30m, e em um aumento da força máxima predita no agachamento (1RM), superando os resultados do Treinamento de Força Tradicional (TST).
• O aumento da aceleração pode ser explicado pelo aumento da força máxima predita no agachamento. Quanto maior a força aplicada no solo durante o sprint, mais fácil a inércia corporal é superada.
• Contudo, o treinamento com OWL não resultou em aumentos significativos no salto vertical (Vertical Jump – VJ) nesta população, devido às distinções biomecânicas no padrão coordenativo extensor entre LPO e salto vertical, e a fatores biológicos relacionados a diferenças de gênero.
Periodização do LPO em Esportes Específicos: O Modelo para o Judô
A periodização adequada dos exercícios de Arranco, Arremesso e Agachamento (pertinentes ao LPO) é necessária para maximizar o desempenho e prevenir lesões. Um ciclo de treinamento apropriado deve ser ajustado às especificidades da modalidade.
A metodologia para judocas, sugerida para atletas de ambos os sexos, com 16 anos ou mais e pelo menos cinco anos de prática contínua, estrutura-se em um Macrociclo de 16 semanas com o objetivo de potencializar a força e a velocidade.
O treinamento de força contra-resistência utiliza Exercícios Técnicos (ET: Arranco e Arremesso) e Exercícios de Força (EF: Agachamento) em três sessões semanais em dias alternados.
Mesociclo (Semanas) | Objetivo e Intensidade | Volume Total (VT) | Proporção ET (LPO) / EF (Agachamento)
Preparatório (I a IV) | Alto volume, baixa intensidade | 1.200 repetições (rpt) | 40% ET / 60% EF
Pré-Competitivo (V a VIII) | Volume em redução, intensidade em ascensão | 1.000 rpt | 50% ET / 50% EF
Competitivo (IX a XII) | Intensidade máxima, volume reduzido | 800 rpt | 70% ET / 30% EF
Recuperativo/Transição (XIII a XVI) | Pausa e Retomada Gradual | Pausa completa (Semanas XIII e XIV), depois 100 rpt (Semanas XV e XVI) | 50% ET / 50% EF (na retomada)
Nos Microciclos semanais I, II, III, V, VI, VII, IX, X e XI, o volume e intensidade dos exercícios aumentam progressivamente para elevar os padrões de produção de força. Já nas semanas IV, VIII e XII, o volume e a intensidade diminuem para propiciar a recuperação e potencialização da ação muscular. No Mesociclo Competitivo, os Exercícios de Força (Agachamento) são utilizados como mantenedores dos padrões de força alcançados, com a prioridade nos Exercícios Técnicos (LPO) para incrementar a velocidade e consequente potência. Testes de 1RM devem ser realizados no início das semanas I, V, IX, XII e XVI para a correta retificação da carga.

Segurança e Qualidade Profissional no LPO
O treinamento de LPO possui um dos menores índices de lesões em comparação com outros esportes, o que contradiz o senso comum. No entanto, a segurança e a eficácia dependem criticamente da técnica apropriada e da qualidade técnica da supervisão.
• Lesões estão frequentemente associadas à técnica precária, desconcentração do atleta, ou a erros na prescrição e programação das sessões de treino.
• Os grupos musculares mais expostos a lesões relacionam-se à biomecânica das posições avançadas, incluindo fixadores escapulares, adutores/abdutores dos músculos sacroilíacos, e eretores e extensores de perna.
• É essencial que os treinadores que instruem esses levantamentos tenham a formação necessária e priorizem a performance prática do Arranco, Arremesso e suas variações.
• O programa deve ser realizado em atletas previamente adaptados ao treinamento de LPO, e os treinamentos devem respeitar as condições médicas (cardiovasculares, respiratórias e ortopédicas) do atleta, pois o treino é um processo contínuo e gradual de adaptação orgânica, física e fisiológica.
Grazzi Favarato é especialista na utilização de LPO como preparação física de atletas e no condicionamento físico e manutenção de saúde, treinadora de LPO nível nacional e docente na Academia Brasileira de Treinadores, do Instituto Olímpico Brasileiro (IBO) – Comitê Olímpico Brasileiro













































































































































































































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