As pessoas estão vivendo mais e querem viver melhor. Por isso, também tem aumentado a busca por atividade física na maturidade. Como as academias têm lidado com esse público? Especialistas analisam o cenário
Yara Achôa, Fitness Brasil
17/12/2021
O número de idosos não para de crescer no Brasil. A diminuição das taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida estão gerando o crescimento desse grupo, que se torna cada vez mais representativo. E eles não querem ficar sem ter o que fazer, não querem ficar em casa cuidando dos netos – querem socializar, se exercitar e ter qualidade de vida.
“Precisamos dar ao idoso uma longevidade saudável. E ela depende de vários fatores, como cuidados médicos, exames, alimentação, controle de peso, atividade física, relacionamentos socioafetivos, envolvimento espiritual, propósito. Está mais do que provado que o exercício funciona e é fundamental em qualquer idade. E ter um idoso frequentando academia é o melhor dos mundos. Só que poucos estão lá. Por razões que vão desde falta de condições financeiras a barreiras como enxergar um lugar frequentado só por pessoas novas e magras”, observa Mauro Guiselini, doutor em educação física e criador do curso Treinando o Idoso.
Para o professor de educação Rossman Cavalcante, especialista em treinamento esportivo pela Faculdade de Educação Física da Associação Cristã de Moços de Sorocaba (Fefiso) e em saúde do idoso pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), as academias costumam ter boa estrutura física para receber idosos. “A preocupação não é tão estrutural, mas sim a capacidade de atendimento dos professores. E começa já na anamnese. Se você recebe o idoso como recebe um adulto jovem ou alguém que já treina, não vai extrair tudo o que precisa. Tem que ser um atendimento diferenciado”, ensina ele, que também é mestre em saúde pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
O engenheiro civil Marcio Cupolillo, de 66 anos, é frequentador de academias há mais de três décadas. Gosta de atividade física e considera fundamental em sua vida. Mas observa na prática que o atendimento e a atenção, especialmente ao grupo 60+, são falhos. “Eu tive um problema de quadril e adiei uma cirurgia por 10 anos, tratando com fisioterapia e aprendendo a execução de alguns exercícios. Foi a minha sorte. Eu aprendi a ter consciência corporal e como fazer os movimentos. Hoje não vejo assistência adequada na maioria das academias. Acho um grande risco para quem não tem familiaridade com esse ambiente. A impressão que dá é que você só vai receber orientação se contratar um personal trainer.”
As dificuldades que a terceira idade encontra ao buscar uma academia
Atendimentos realizados com muita rapidez ou em termos muito técnicos |
Profissionais sem a paciência necessária para esclarecer dúvidas dos idosos |
Atendimentos infantilizados, tratando o idoso como uma pessoa menos capaz |
Falta de conhecimento para adaptar treinos às necessidades da pessoa mais velha |
Falta de instalações acessíveis como rampas ou elevadores |
Espaços pouco fluídos ou desorganizados, que aumentam os riscos de quedas |
Juntos ou separados?
Quantos idosos vão se sentir bem com séries de burpees e polichinelos? Ou em aulas cheias e barulhentas nos horários de pico? É o que questiona Mauro Guiselini. Para ele é interessante estruturar aulas e horários pensando nesse grupo. “Não é segregar o idoso, mas criar um ambiente para que ele se sinta acolhido.”
Rossman Cavalcante observa que se o idoso só tiver como opção, por exemplo, treinar às 18 horas – um horário em que as academias costumam estar bem movimentadas –, os profissionais de educação física devem olhar para o aluno e auxiliá-lo da melhor maneira possível dentro dessa realidade. “Se o professor não vai poder ficar o tempo todo ao lado desse aluno, precisa pelo menos preparar um treino que ele consiga executar com segurança.”

O mesmo cuidado vale quando o exercício é feito por meios digitais. “Na pandemia houve uma glamourização do treino online. Mas o idoso tem dificuldade com tecnologia. E sem uma supervisão mais cuidadosa, poderá ter problemas. Na ausência de fatores que garantam segurança, já que em algumas plataformas o professor não consegue ver o aluno, o melhor é adaptar o treino para minimizar os riscos”, completa o especialista.
Sobre envelhecer bem
Aos 68 anos, Silene Okuma – pesquisadora em envelhecimento humano e atividade física, professora aposentada da disciplina educação física para idosos na pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado, e atualmente empreendedora no segmento de longevidade –, acredita que envelhecer bem é uma construção que se faz ao longo da vida. “E depende de hábitos saudáveis – não só físicos. O corpo biológico degenera, mas podemos minimizar os danos combatendo o sedentarismo, cuidando da alimentação, da hidratação e do sono. E temos ainda as dimensões emocionais, cognitivas, espirituais, sociais que podem seguir em contínuo crescimento se assim você desejar”, diz.
Ela fala que sua geração não vai mudar olhar sobre a velhice, mas está abrindo abrir caminhos para essa mudança – que também precisa estar no radar do universo fitness. “Para mim, a aposentadoria veio como fechamento de um ciclo e abertura de outro – não representou um fim. É importante ter um propósito na vida e vê-lo se transformar à medida que nos transformamos. Quando a gente se vê em continuo desenvolvimento, envelhecer é bom. Ter trabalhado com envelhecimento foi importante, falei muito como envelhecer bem. E sinto que estou tendo um envelhecimento bem-sucedido”, avalia.
Estratégias para encantar
Em relação à estrutura das academias, é preciso garantir espaços fluidos e boa organização. “São coisas básicas para melhorar a segurança: preparar ambientes que minimizem o risco de esbarrões e quedas, assim como manter a ordem”, diz Cavalcante.

Mas para o especialista o fundamental é melhorar o relacionamento no dia a dia. “Não dá para falar difícil, usar termos muito técnicos, e nem se dirigir ao idoso de modo infantilizado ou menosprezando seu potencial, propondo atividades muito leves apenas porque ele tem mais idade. Programas de capacitação interna, profissionais bem atualizados e formados na área, são medidas bem-vindas para as equipes das academias. Uma peculiaridade que não está nos livros, por exemplo, diz respeito à mudança dos treinos. O idoso tende a querer ficar com o mesmo programa para sempre. As mudanças podem gerar estresse nessa fase, então devem ser mais gradativas”, orienta.
“O professor que usa como chamariz o ‘bumbum na nuca’ certamente não vai atrair a atenção e nem ganhar a confiança do idoso. Além do benefício fisiológico, a atividade física tem que levar em conta o lado socioafetivo. É preciso ter conhecimento de biomecânica (é necessário, mas não suficiente) e encantar com acolhimento, estimular com um treino prazeroso e ajudar com muita atenção e paciência”, finaliza Guiselini.
Leia também
Gostou? Compartilhe: